Ao longo dos meus 25 anos de carreira, tive a sorte de ocupar cargos de liderança em, pelo menos, 70% das posições que galguei. Digo sorte porque amo essa posição de contribuir para que as pessoas possam sempre dar o seu melhor. Brinco dizendo que minha função está ali com a da Nossa Senhora Desatadora dos Nós: se tiver algo que eu possa resolver para que você faça a entrega que eu sei que você pode, é onde estarei agindo.
Como líder, aprendi que devo ter uma comunicação assertiva, uma oratória impecável (algo pouco problemático para quem aos cinco anos de idade se propôs a ser oradora da turma na frente de mil pessoas) e que falar bem seria um grande trunfo. Não discordo. Todos os grandes líderes costumam ter essas características em comum.
Porém, o que nunca me disseram foi que eu seria uma líder ainda melhor se eu soubesse ouvir. Mas ouvir de verdade, sabe? Prestando atenção. Assimilando. Entendendo o que estava sendo dito.
O psiquiatra Rubem Alves, em seu texto “A Escutatória”, discorre sobre o assunto: “sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”, diz e segue: “[…] a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer”.
Ao longo da minha vida profissional – e pessoal também – percebi o quanto as pessoas quietas ou tímidas eram desencorajadas a serem quietas e tímidas. Acontece há tempos com o meu sobrinho, por exemplo, e ele só tem 6 anos. “Vai lá, fala com o moço”, dizem todos. E eu me pergunto: será mesmo que o melhor que ele tem a fazer é falar com o moço?
Penso que, nos dias de hoje, onde todos querem e são estimulados a falar, onde todos clamam o direito de se expressar, seja nas inúmeras reuniões durante o dia, nos stories do Instagram ou nos “tuítes” da vida, os que sabem também ouvir estão com o pote de ouro nas mãos.
Trabalhei com um ótimo profissional chamado Dermeval. Durante o tempo que estivemos na mesma equipe, vi esse rapaz de pouquíssimas palavras ser convidado para reuniões de cúpula, de compliance, de governança e de projetos ainda sigilosos apesar do cargo de analista (não me levem a mal, mas pela ainda vigente hierarquia das coisas, talvez não fosse ele a pessoa a receber tais convites).
Vi esse mesmo rapaz em reuniões com 30 pessoas ser capaz de com um único “oi” e atrair a atenção legítima de todas. Era como se todas pensassem: “ele nunca fala, se vai falar é porque deve ser importante”. E assim ele conseguia uma plateia de escuta ativa. Sendo assim, será que nós, gestores, não deveríamos procurar ter nas nossas hard skills, além do curso de oratória, o curso de “escutatória”?
E digo mais, precisamos acabar com a ideia de que ouvir é apenas escutar o outro falando. Também é ouvir com qualidade. É ler aquela mensagem que seu funcionário te escreve dizendo que vai se atrasar porque o filho doente não dormiu a noite toda, e você entender que ele precisa de algumas horas de descanso antes de começar o turno.
Também é ouvir quando percebemos que outro funcionário só consegue encerrar o dia de trabalho dele quatro horas depois do horário combinado, há mais de um mês, e oferecer alguma ajuda. Assim como também é “ouvir” quando você lê o comentário de um colaborador parabenizando uma iniciativa e dizendo que sempre sonhou em trabalhar em um projeto como aquele, e você mapeia projetos em que poderia encaixá-lo.
Se conseguirmos ouvir com qualidade todas essas “falas” dos nossos colaboradores, tenho certeza que seremos líderes melhores para nossas equipes e para nossas empresas. Porque, parafraseando Rubem Alves (que parafraseou o poeta Alberto Caeiro, um heterônimo criado por Fernando Pessoa), “não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; só quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia” e é aí que a mágica acontece!
E você já testou sua escutatória hoje? Comece praticando a chamada Comunicação Não Violenta. Prepare sua liderança sobre essa habilidade. Aqui, na InPress Porter Novelli, temos projetos muito bacanas nesse sentido. Redes de Multiplicadores também contribuem para ambientes de maior segurança psicológica e estímulo à escuta ativa de fato.
Aproveito e deixo aqui uma dica de leitura, o livro “O poder dos quietos: como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar”, de Susan Cain.
O texto acima foi produzido por um parceiro Dialog, tendo seus direitos reservados. A Dialog não se responsabiliza pelo conteúdo deste artigo, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.
0 comentários