Por que precisamos falar sobre a neurodiversidade nas empresas?

por | 26/06/2024 | DEI, Parceiros, United Minds

A resposta curta e objetiva é: precisamos falar sobre neurodiversidade no local de trabalho porque nos falta um debate realmente honesto e qualificado sobre o tema. E, como comunicólogos, temos ainda um imperativo ético de estarmos versados e preparados para tratar o assunto dentro dos novos cenários de cultura organizacional.

Para começar, entender sobre neurodiversidade não é um bicho de sete cabeças. De forma bem simplista, como eu explicaria para minha filha de 10 anos, perceber a diversidade neurológica é ver que tem gente que escreve com a mão esquerda, outras com a mão direita e, por mais incrível que pareça, saber que existem ainda aquelas pessoas que têm habilidade de fazer isso com ambas as mãos.

Eu fui da época que tinha sala de aula com aquelas mesas de braço – a cadeira universitária pranchetão. E que era raríssimo encontrar a versão para quem é canhoto. Hoje, conceber esse cenário é muito estranho no imaginário coletivo da nossa cultura, ainda que continuem os desafios de ser canhoto nesse mundo pensado para destros.

Com a neurodiversidade é assim. Estamos hoje colocando em evidência o assunto e descobrindo pouco a pouco como desvincular preconceitos e tornar comum a existência de seres humanos com cognição diferente. 

Na área de educação, já é pauta batida que cada pessoa aprende de um jeito e em seu próprio tempo. Numa perspectiva mais abrangente, dentro das culturas organizacionais, cada vez mais atentas à diversidade e à inclusão, nosso trabalho de comunicação torna-se cada vez mais complexo e, por assim dizer, riquíssimo em possibilidades de conexões humanas reais.

A área corporativa tem amadurecido no que se refere a temas como gestão de pessoas, liderança humanizada e diversidade. Por isso, dialogar sobre neurodiversidade contribui para a construção de uma comunicação inclusiva de relevância prática, e não só de impacto narrativo.

Não é sobre saúde mental

Estamos tão mergulhados em conceitos (velhos e novos) que fica difícil separar o joio do trigo. Para facilitar, vou ser bem objetiva aqui sobre as definições, tá bom?!

Saúde mental é sobre bem-estar. É sobre o estado emocional, psicológico e social das pessoas. Dentro desse guarda-chuva, a gente deve olhar muito para como o colaborador se comporta em seus relacionamentos interpessoais ou se ele sabe lidar bem com problemas e desafios, por exemplo. 

É desse lugar que as lideranças olham para a jornada de cada profissional numa visão 360º, garantindo que ninguém chegue ao limite, fique sobrecarregado ou perca de vista o propósito do seu trabalho. Daqui, observamos como lidamos com o estresse da produtividade e do desempenho. Além disso, há espaço para treinamentos de habilidades e transformações de hábitos, buscando sempre mais relações saudáveis na cultura organizacional.

Como nem todas as pessoas neurodivergentes têm problemas de saúde mental, assim como nem todas as pessoas com problemas de saúde mental são neurodivergentes, vamos entender então como definir o outro lado da questão.

O que é neurodiversidade?

Cientificamente, foi a socióloga australiana Judy Singer, na década de 90, quem usou pela primeira vez o termo neurodiversidade para definir a amplitude das composições neurológicas humanas. Algo que é natural e faz parte de todos nós. 

A sensação que a gente tem é que virou modinha essa palavra, né? Mas, falar sobre neurodiversidade não é como uma roupa que chega na passarela para trazer novos modos de se mostrar na sociedade. A diversidade cognitiva sempre existiu entre nós, e sempre vai existir. Faz parte da variação natural do cérebro e não é uma condição médica ou psicológica que precisa de cura. Não é, sobretudo, uma deficiência.

Na última década, alguns movimentos ativistas, principalmente os de apoio ao TEA (Transtorno do Espectro Autista), trouxeram para o foco essa palavra. Gosto de pensar que é uma daquelas palavras que precisam ser tão grandes quanto a extensão do seu significado. Afinal, neurodiversidade abraça a característica de muitas pessoas por aí – muito mais do que você imagina. 

Quando se é neurodivergente, há diferenças no padrão cerebral, diferenças essas que alteram o desenvolvimento, o funcionamento e/ou o processamento neurológico, afetando inclusive o sistema nervoso central. Aqui, por exemplo, encontramos pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), Dislexia, Transtornos de Humor, entre outras muitas condições.

O profissional neurodivergente no mercado de trabalho

Sabemos que trabalhar com uma necessidade diferente do que é considerado típico exige aquela dose extra no comprometimento em aprender, reaprender e se adaptar para conduzir as tarefas no dia a dia. O medo de não conseguir ou ser rechaçado pode incentivar as máscaras sociais e a autenticidade de cada um passa despercebida. E é por conta das ameaças de estereótipos que pessoas neurodiversas estão sempre na defesa, trabalhando em silêncio sobre suas próprias características para evitar qualquer julgamento. Manter o anonimato é fundamental, mesmo com o risco de prejudicar – e muito – o desenvolvimento da carreira e, pior, a própria saúde.

Quer comprovar isso? Uma pesquisa rápida numa plataforma de busca nos aponta diversos artigos sobre conceitos, teorias, estudos e afins. Mas, encontrar qualquer texto que fale em primeira pessoa sobre a condição da neurodiversidade é bem raro!

Um estudo publicado na Harvard Business Review pelo professor Rob Austin, da Ivey Business School, relata que 1 a cada 59 pessoas no mundo é neurodivergente. E quase 80% dessas têm dificuldade para ingressar ou se manter no mercado de trabalho, muito por conta do estigma negativo dos transtornos que a diversidade neurológica desencadeia. E, muito mais ainda porque as empresas não estão de fato preparadas para acolher suas particularidades. Segundo a pesquisa, o tabu de improdutividade e incapacidade é o grande problema. 

A liderança e a cultura orientada por valores em diversidade

Profissionais neurodivergentes precisam contar com líderes disponíveis e abertos a trabalhar com seres humanos. Ou seja, é necessário flexibilidade, acolhimento e escuta para gerar resultados diante de um ritmo de trabalho adaptado e conectado com as potencialidades e habilidades de toda equipe a fim de uma experiência social positiva.

Em linhas gerais, estamos falando de uma cultura interna orientada por valores de diversidade que quebra os estigmas e a desinformação. É somente quando a empresa proporciona esse ambiente seguro que os empregados têm a oportunidade de serem autênticos em suas competências e talentos, bem como a construção de um ambiente diverso se torna real, gerando mais criatividade, inovação e resultados relevantes que impactam positivamente os negócios e a sociedade. 

Faz bem às pessoas e às organizações a diversidade, mas não é fácil nem simples construir e manter uma cultura inclusiva. Isso porque processos e políticas para a inclusão precisam estar em todos os movimentos e cenários, desde o perfil das lideranças e um simples processo seletivo até políticas de governança. Os hábitos e as rotinas devem ser adaptados para que o ambiente seja amistoso para cada um, independente de dificuldades de comunicação, de locomoção ou de sensibilidades sensoriais e assim por diante. DE&I é um processo singular, porque cada ser humano é único.

É sobre pertencer à cultura e não sobre se encaixar

Eu, aqui desse lado do teclado, escrevo tudo isso de forma empírica. Embora eu confesse a você que considero a “cautela” o melhor caminho a ser seguido para abordar a questão, depois de mais de duas décadas de carreira senti confiança em tirar a máscara e contar para meus colegas e liderança sobre minha condição neurológica. Ser transparente sobre a minha realidade cognitiva me coloca num lugar que eu nunca havia habitado. É um mundo novo que se apresenta, e quero compartilhar com você o porquê. 

Um ambiente seguro e um propósito de negócio que me acolheu integralmente foram fatores fundamentais para que eu pudesse falar sobre minha condição cognitiva aqui, na United Minds. E foi buscando melhorar meu desempenho e minha produtividade que decidi falar sobre neurodiversidade.

Aqui, comigo, funcionam demais feedbacks frequentes, prazos claros, transparência sobre os dias ou momentos ruins, horários flexíveis, escuta e, principalmente, honestidade nas relações. O cenário pode ser promissor quando realmente fazemos os negócios mais humanos, ou seja, estarem a favor das pessoas.

O texto acima foi produzido por um parceiro Dialog, tendo seus direitos reservados. A Dialog não se responsabiliza pelo conteúdo deste artigo, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

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